sexta-feira, 9 de maio de 2008

Biólogos como comunicadores

A Biologia é uma ciência que não raro aparece polêmica e distorcida. Os estudos realizados nas diferentes áreas compreendidas pelas Ciências Biológicas, como prefiro chamar, dada a diversidade de temas, são alvo de um grande número de páginas dos principais jornais e revistas de todo o mundo, nas leituras realizadas por muitos comunicadores (assim vou sempre me retratar aos jornalistas, repórteres, autores de livros, blogueiros, ou qualquer pessoa que resolva produzir sentido através de enunciação - verbal, escrita ou imagética).
A maioria desses comunicadores geralmente tem uma formação dentro da área das Ciências Humanas, bastante teórica em sua estrutura, e isso gera dificuldades na compreensão da linguagem científica produzida pelos cientistas e pesquisadores das demais áreas do conhecimento.
Numa tentativa de resolver esse problema de imcompreensão e busca de sentido para a comunicação que deve alcançar o leitor, vejo o biólogo como ator no processo. Parte de seu trabalho pode ser justamente ser redator de enunciações que ele vê como essenciais e necessárias à divulgação para o público em geral. Mas, e não nos esqueçamos disso, essa "apropriação" da produção de comunicação feita por um biólogo deriva de um esforço pessoal em se comunicar e se fazer entender, que exige estudo e determinação, empatia e autoridade, compreensão e simplicidade.
O professor Wilson da Costa Bueno, da Universidade Metodista, concedeu uma pequena entrevista para tratarmos do tema. Wilson Bueno é docente do programa de pós-graduação dessa universidade e tem especialização em Jornalismo Científico. É autor de Jornalismo, Comunicação e Meio Ambiente, pela Editora Majoara, recentemente publicado. Acompanhe:

J&C -A Biologia é uma ciência de grande destaque nos meios de comunicação (impresso, televisivo) a cada salto surgido em suas áreas de pesquisas concentradas na resolução de problemas que marcam determinados momentos. Surge uma nova pesquisa, um novo a(in)cidente ambiental, e destaca-se o biólogo. Como um comunicador social vê essa relação dos biólogos com a mídia (externamente a ela)?

W.B. -Esta relação é , hoje, essencialmente positiva na medida em que, em função das pautas que incluem a Biologia e os biólogos, estes profissionais se tornam fontes indispensáveis. Esta parceria no processo de divulgação científica tem aproximado as duas áreas (Jornalismo e Biologia). Precisamos também de mais biólogos atuando como comunicadores.

J&C - Já quando se trata de divulgar a Ciência produzida, resultados obtidos, novas hipóteses e recentes teorias, vemos que a transposição do conteúdo científico (escrito por cientistas da área) para uma linguagem mais acessível ao público leigo leitor/ expectador em geral, é marcada por deslizes que comprometem o conteúdo exposto. Onde está o erro: nas explicações dadas pelos divulgadores das novas descobertas, ou na compreensão feita por quem reescreve de maneira mais simples o exposto?

W.B. -Os deslizes costumam ser cometidos por ambas as partes. Muitas vezes, os pesquisadores, os cientistas etc não se dispõem a um trabalho de parceria, não compreendem o objetivo de um trabalho de divulgação e se recusam a “descer do pedestal”, o que contribui para a incomunicação em virtude do discurso hermético e da complexidade natural do campo. Já muitos jornalistas e divulgadores pecam ao tratar questões complexas com displicência, sem atentar para os conceitos e processos envolvidos e, desta forma, desqualificam a cobertura, induzem a audiência (leitores, telespectadores etc) a uma leitura equivocada, incompleta, errônea. Mas esta situação já foi menos favorável e temos observado uma mudança positiva nos últimos anos, talvez porque ambos os lados se deram conta de que é preciso trabalhar em parceria e estão mais dispostos a democratizar o conhecimento.


J&C - Seria o caso de um cientista (biólogo, no nosso caso) fazer o papel de divulgador e disseminador de informações científicas? Essa competência lhe compete?

W.B. -O cientista deve, a meu ver, exercer também o papel de divulgador, visto que deveria estar comprometido com a democratização do conhecimento, a inclusão dos diversos segmentos sociais no debate das questões de ciência e tecnologia. Se ele não se dispõe ou não tem oportunidade de atuar como divulgador na mídia, deveria ao menos produzir textos, livros didáticos, proferir palestras ou mesmo estar disposto a interagir com a imprensa para contribuir para este processo de alfabetização científica.

J&C - Até que ponto pode o profissional biólogo se ver engajado na área comunicativa? Um profissional com esse perfil deve ter quais características? Que visão de mundo deve compreender sua formação?

W.B. -O biólogo, como todo profissional, exerce naturalmente esta função porque se comunica com os seus pares, com seus colegas e muitas vezes com seus alunos ou subordinados em uma empresa, mas é necessário capacitar-se e estar disposto para um trabalho mais amplo de divulgação. É fundamental para isso que ele reconheça as dificuldades que o “outro” tem de entender o discurso técnico-científico, compreender a essência do processo de divulgação e em particular o sistema de produção jornalística, a cultura jornalística em particular. Nosso mais importante jornalista científico, José Reis, era um biólogo.

J&C - Dos obstáculos que podem surgir na formação de um biólogo-comunicador, quais você vê como as principais dificuldades encontradas por esse profissional que abriga uma nova condição de ciência (a Ciência Lingüística)?

W.B. -O obstáculo maior é o biólogo não estar disposto a se colocar na posição do outro, não estar consciente de que o analfabetismo científico é uma realidade em nosso país e que ele tem esta função ou missão de informar. Se ele assumir esta perspectiva, buscará entender o universo lingüístico ou de conhecimento do público e estará empenhado em se fazer entender e em contribuir para a alfabetização científica e debate da política de ciência e tecnologia.

J&C - É possível que esse profissional seja responsável pelos mesmos erros cometidos por um comunicador social não “cientifizado” (vou usar esse termo para indicar quem não é cientista-biólogo)? Em que isso pode comprometer a ética determinada para a área em que se graduou e em que atua?

W.B. -Na verdade, o fato de ser um biólogo não garante que ele domine toda a área, assim como, por exemplo, um médico não domina toda a Medicina, embora esteja, mais do que o cidadão comum, familiarizado com determinados conceitos e processos e, portanto, encontre menos resistência ou dificuldade para lidar com temas complexos. O fundamental é ter em mente que o processo de divulgar implica também na competência em comunicar e que o problema não é apenas de conteúdo.

J&C - Que programa buscar para se qualificar como comunicador? As ofertas são grandes nas universidades brasileiras? Onde ir? Quem procurar? De que temas tratar?

W.B. -Tem crescido a oferta de cursos para a formação do jornalista e do divulgador científico e é possível indicar o curso de especialização , e agora também o Programa de Pós-Graduação em Jornalismo Científico, da Unicamp. A Fiocruz tem dado abertura a projetos nessa área e há outros programas de pós-graduação em comunicação no Brasil que abrem espaço para projetos em divulgação científica, como o da UMESP, por exemplo.

J&C - Qual sua visão pessoal sobre a inserção de biólogos na pesquisa comunicativa?

W.B. -Acho extremamente positiva. Além do José Reis, nosso decano, posso citar, por exemplo, o Eduardo Geraque, da Folha de S. Paulo, um biólogo com um trabalho absolutamente competente nesta área. Precisamos desta inserção, seja de biólogos, físicos, químicos ou cosmólogos, como o Marcelo Gleiser. Esta é uma área fundamental para o país que tem um ensino de ciências tão precário e precisa obrigatoriamente incluir os cidadãos no debate das questões de ciência e tecnologia que, mais e mais, impactam suas vidas (células-tronco, automação industrial, transgênicos, mudanças climáticas, nanotecnologia etc etc).

Um agradecimento especial ao professor Wilson Bueno, da Universidade Metodista, por nos conceder parte de seu tempo para a divulgação dessas informações.

3 comentários:

MARINA disse...

PARABÉNS!! É ISSO AÍ, NÃO ADIANTA SÓ PESQUISAR E USAR AQUELAS LINGUAGENS DIFÍCEIS ,ATÉ MESMO PARA OS PRÓPRIOS PESQUISADORES.
FIZ INICIAÇÃO CIENTÍFICA EM UM CENTRO REFERÊNCIA EM PESQUISAS AMBIENTAIS EM SÃO PAULO, E O QUE PRESENCIEI FORAM PESQUISADORES MASSAGEANDO OS PRÓPRIOS EGOS AO INVÉS DE TRADUZIR O QUE SIGNIFICA DE VERDADE A PESQUISA CIENTÍFICA: CONHECIMENTO PÚBLICO, OU SEJA, DE FORMA DIDÁTICA, QUE ALCANCE TODAS AS PESSOAS. SEM ESTE FIM, NÃO PODEMOS DIZER QUE HÁ A PESQUISA. TÃO ENGRAÇADO, POIS USAM O DINHEIRO PÚBLICO PARA REALIZÁ-LA E NÃO REPASSAM-A AO PÚBLICO! PERDERAM COMPLETAMENTE A SENSIBILIDADE, A EMPATIA PELAS PESSOAS. E DEPOIS INTITULAM-SE PROFISSIONAIS? POR ISSO, PENSO SERIAMENTE EM ENTRAR PARA O RAMO DE JORNALISMO. TAMBÉM SOU BIÓLOGA, E AMO ESCREVER A VERDADE, SEM PARCIALIDADE, PESQUISANDO A FUNDO TUDO O QUE ESTÁ ENVOLVIDO.
PEÇO UMA LUZ PARA VOÇÊ:
HÁ CURSOS DE ESPECIALIZAÇÃO EM JORNALISMO PARA BIÓLOGOS?
POR ONDE POSSO COMEÇAR?

Val disse...

Eu faço Ciências Biológicas e amo jornalismo também. Foi muito difícil escolher entre essas duas profissões, e até hoje apesar de gostar do meu curso, as vezes sinto vontade de largar tudo e fazer jornalismo. Agora lendo esse texto, pode ser que eu continue em biologia e quem sabe não possa no futuro conciliar as minhas duas paixões: biologia e jornalismo.

Unknown disse...

Olá!

Gostaria de uma indicação de um biólogo da área da comunicação, que se dispusesse a participar de uma mesa-redonda, com o intuito de difundir essa outra possível área de atuação do profissional.

Agradeço desde já,

Guilherme
guilhermeramos@folha.com.br