terça-feira, 29 de abril de 2008

Natureza cenográfica

As imagens têm um poder fascinante. E portam nas entrelinhas muita história, muita informação, muita coisa "não-dita". E nem precisa.
Em análise do discurso (AD) essas entrelinhas são chamadas de interdiscurso. As variantes de uma mesma sentença, no todo significativo, são as polissemias. Quanto se diz com uma mesma sentença? Muito, isso é certo. E nem sempre o próprio autor é capaz de perceber que disse mais que aquilo que planejou: esse é o esquecimento, mais um recurso da análise de discurso.
Nas imagens animadas (os vídeos principalmente), muito se pode usar dessa linguagem interdiscursiva e polissêmica. O resultado é bastante interessante.
No link abaixo se pode ver um clipe interpretado por christina Aguilera, Fighter, que usa muito dos recursos de interdiscurso nas cenas... e que dizer da polissemia! Vou relatar de forma simples e não exaustiva, mas veja o clipe e se aprofunde na análise. Há muito de bom, em linhas gerais, em se intencionar, como vou chamar, aquilo que abertamente não é convencionado se dizer.
Na abertura uma mariposa. Não vou entrar em questões de gêneros e descrições, pois isso não nos convém nesse momento. Contudo, as mariposas são seres muito frágeis, fáceis de capturar e muito utilizados como artigos de colecionadores. Melhores são aqueles indivíduos que não estão machucados, com ausência de pernas ou antenas.
Seu ciclo de vida é retratado no clipe do começo ao fim. Sua fase larval, e a busca incessante de fuga das formigas, que assolam o corpo do animal quando este não está íntegro e indica que o animal não vai sobreviver por muito tempo. Fighter é um substantivo interessante, traduz-se por "lutador". Não é isso que fazem as pessoas que se sentem presas a situações difíceis; pobreza, violência, paixões, trabalho, rotina. A mariposa são esses que sofrem e buscam se libertar. Alguns conseguem: no momento 1min05s a mariposa destrói o vidro que a prende, e pode então fugir. Quantos laços são rompidos nessa hora não estimo ao certo. Mas todo o sentimento de opressão, de sufocamento, de angústia e de passividade se esvaem, e inicia-se uma nova fase, de perda dos grampos, de liberdade e renovação.
Nem tudo é perfeito. No clipe as formigas aparecem se alimentando de partes de organismos (talvez outras mariposas, como as da cena principal). Mas é bom lembrar que as formigas não se alimentam de organismos, como é de se supor quando se vê essas trabalhadoras incansáveis carregando pedaços para dentro do formigueiro. A impressão inicial que se pode ter é de que levam esses pedaços para um distribuição para os indivíduos que formam a colônia, mas isso não se aplica. Na verdade as formigas carregam esses pedaços para alimentar os fungos que crescem associados ao formigueiro, um para cada tipo de formiga, ou seja, existe um fungo diferente para cada ninho, para cada espécie de formiga. E é desses fungos e de seus produtos metabólicos que se alimentam esses insetos.
Observe os alfinetes entomológicos muito bem lembrados pelo autor. Os mesmos alfinetes que prendem o organismo pelo dorso representam o terceiro par de pernas das formigas (muito interessante essa colocação) A prisão se dá em vida. O indivíduo agoniza por sua impossibilidade, por suas fraquezas, por sua ineficácia frente ao obstáculo. Mas como ele pode ser rompido, e desaparece o obstáculo, também os grampos podem ser retirados, e a vida se faz novamente. A mariposa empupa, o velho se renova e ganha novos ares, nova roupagem, nova vida. Se desprende e vai viver. Vai fazer o mundo mais belo e preenche o vazio.
O texto tem referência no momento de enunciação. Isso fica claro na atemporalidade do texto, expressa na primeira estrofe:

After all you put me through (Depois de tudo que passei)
You´d think I´d despise you (você poderia pensar que eu me desfaço de você)

Perceba que o momento se destaca pela enunciação, pelo momento em que fala o autor. Esse embreante temporal falta, está ausente. Por outro lado temos outro embreante, o de enunciação, marcado pela primeira pessoa (I = eu). O coenunciador é um você que pratica uma ação da qual se reflete todo o enunciado do texto:

How could this man I thought I knew (Como pôde esse homem que eu pensei soubesse)
Turn out to be unjust, so cruel (Deixar de ser injusto, tão cruel)

Em fighter (lutador) temos um ethos estabelecido. Observe que são os embreantes temporais, aliados à não-pessoa do coenunciador que traz a motivação de o enunciador, a pessoa que fala, se tornar um lutador. A seqüência de adjetivos atribuídos ao enunciador por conta do momento da enunciação articulado pelos embreantes temporais, tem origem na cena:

Makes me that much stronger (Faça de mim mais forte)
Makes me work a little bit harder (faça-me trabalhar mais duro)
It makes me that much wiser (Isso me faz sábia)
So thanks for making me a fighter (Obrigada por fazer de mim uma lutadora)
Made me learn a little bit faster (fez-me aprender mais rapidamente)
Made my skin a little bit thicker (fez de minha pele mais grossa)
Makes me that much smarter (faça-me mais esperta)
So thanks for making me a fighter (Obrigada por fazer de mim uma lutadora)

Linda a utilização desse organismo na construção simbólica do desenlace. Da fragilidade à potencialidade. Imagine sua vida dessa mesma forma. Procure as amarras, estilhasse o vidro e liberte-se. Para uma nova vida, isso com certeza.
O vídeo pode ser visto no link que segue:

http://www.youtube.com/watch?v=xB7pQpNx-F4&feature=related

Ou veja por aqui mesmo, clicando no box abaixo:

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